quarta-feira, 3 de outubro de 2012

A Orgulhosa


Poesia muito recitada pelo meu Pai.
Esta poesia foi feita de improviso num baile.
                   

Ainda há pouco pedi-te,
Pedi-te para valsar...

Disseste - és pobre, és plebeu;

Não me quiseste aceitar!

No entretanto ignoras

Que aquele a quem tanto adoras,

Que te conquista e seduz,

Embora seja da "nata",

É plena figura chata,

É fósforo que não dá luz!

Deixa-te disso, criança,
Deixa de orgulho, sossega,

Olha que o mundo é um oceano

Por onde o acaso navega.

Hoje, ostentas nas salas

As tuas pomposas galas,

Os teus brasões de rainha;

Amanhã, talvez, quem sabe?

Esse teu orgulho se acabe,

Seja-te a sorte mesquinha.

Deixa-te disso, olha bem!
A sorte dá, nega e tira;

Sangue azul, avós fidalgos,

Já neste século é mentira.

Todos nós somos iguais;

Os grandes, os imortais;

Foram plebeus como eu sou.

Ouve mais esta lição:

Grande foi Napoleão,

Grande foi Victor Hugo.

Que serve nobre família,
Linhagem pura de avós?

Se o sangue dos reis é o mesmo,

O mesmo que corre em nós!

O que é belo e sempre novo

É ver-se um filho do povo

Saber lutar e subir,

De braços dados com a glória,

Pra o Pantheon da História,

Pra conquista do porvir.

De nada vale o que tens
Que não me podes comprar;

Ainda que possuísses

Todas as pérolas do mar!

És fidalga? - Sou poeta!

Tens dinheiro? - Eu a completa

Riqueza no coração;

Não troco uma estrofe minha

Por um colar de rainha

Nem por troféus de latão.

Agora sim, já é tempo
De te dizer quem sou eu,

Um moço de vinte anos

Que se orgulha em ser plebeu,

Um lutador que não cansa,

Que ainda tem esperança

De ser mais do que hoje é,

Lutando pelo direito,

Pra esmagar o preconceito

Da fidalguia sem fé!

Por isso quando me falas,
Com esse desdém e altivez,

Rio-me tanto de ti,

Chego a chorar muita vez.

Chorar sim, porque calculo,

Nada pode haver mais nulo,

Mais degradante e sem sal

Do que uma mulher presumida,

Tola, vaidosa, atrevida.

Soberba, inculta e banal.

Trasíbulo Ferraz Moreira, nasceu em 28 de janeiro do 1870, em Lençóis, na Chapada Diamantina.
Era filho do tenente Espiridião Ferraz Moreira e de d. Maria Amélia F. Moreira.
Ainda criança com a família deslocou-se para a cidade de Cachoeira.
Frequentou as faculdades de Direito do Recife e da Bahia, até o quarto ano, não concluindo o curso por moléstia pulmonar, de que faleceu em plena florescência de seu talento.
Redator-chefe da Gazeta de Notícias, militou na imprensa diária de Salvador, lado a lado com a literatura, publicando poesia, contos e crônicas.
Com a sua morte, seus amigos tiveram a iniciativa de reunir alguns de seus versos numa coletânea sob o título de Poesias, com o prefácio de Evangelista Pereira, em edição de uma gráfica da cidade de Amargosa, no interior do Estado, em 1900. De sua autoria é, ainda, o volume de contos Poliformes (1896).

Naquela época era comum encerrar as festas com alguém declamando uma poesia acompanhado pelo piano. A poesia A ORGULHOSA, tem a sua história; por sinal em duas versões:

 
A primeira versão, de ter sido improvisado no baile de formatura de outro poeta - Péthion de Vilar. Reza a crônica oral que a recepção oferecida pelos pais de Péthion, diplomado em Medicina, naquele ano de 1895, já estava pela metade da noite quando, instado pelo próprio Péthion, seu velho amigo e jornalismo, banco acadêmico e vida literária, Trasíbulo, que chegara quando a festa já ia ao meio e, como sempre, descabelado com traje surrado e calçado com cadarço desamarrado, havia se recolhido à sacada de uma das janelas do palacete que dominava o largo de São Pedro, ensimesmado e abatido com a taboca (recusa) que sofrera por parte de uma das irmãs de Péthion, quando ele se dirigira e a convidara para uma contradança. A jovem, que alegara para efeito de recusa o fato de se achar indisposta, momento depois, aceitava o convite de um dos seus primos.
Não só Péthion, mas, praticamente todos os convidados, exigiram que Trasíbulo declamasse. Não o fez, no entanto, acatando as sugestões feitas de algumas suas conhecidas e inúmeras poesias. Dispôs-se a fazer um improviso do que valeu seu amigo Péthion para, previamente, munir-se de papel e tinta a fim de registrar os versos que tornariam famosos.
Ao final , a jovem que o acompanhara ao piano, debruçou-se desfalecida sobre o teclado, sendo logo socorrida. A jovem, não era outra senão a que lhe negara a contradança.

 
A segunda versão situa o poeta Trasíbulo Ferraz em período de férias, em casa de parentes em Lençóis. Focaliza o caso do baile como tendo sido em um dos salões elegantes daquela cidade, ocorrendo a recusa da contradança por parte de uma das filhas de Domingos de Almeida, figura de expressão local. A cópia dos versos teria sido objeto de iniciativa de um de seus amigos de faculdade e companheiro de banca de jornal, Américo Pinto Barreto Filho.

 
A primeira versão é a mais convincente do ponto de vista de que o poeta só procurou o convívio familiar quando de sua doença, pois preferia a vida em Salvador, mesmo quando em férias da faculdade, de vez que, além do jornal, havia a vida boêmia para absorvê-lo.

Não se conhece nenhuma foto do poeta..

Remetido por Eudes Sant'Anna
 

Um comentário:

  1. Parabéns Valéria,

    Este texto que você publicou é, além de um belíssimo poema, uma excelente lição de moral.

    Beijos.

    RP.

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