quinta-feira, 18 de outubro de 2012

O Tédio


Não encontrei esta poesia nos dois livros citados, nos quais meu Pai, o Professor René de Deus Vieira estudou no ginásio de São de São João Del Rei. Ela foi copiada do Google.
Meu Pai a recitava com tanto altivez e orgulho que me emocionava e a todos que o ouvia.

O Tédio - Heinrich Heine, adaptação Mendes de Oliveira.

Paciente: Venho doutor, fazer-lhe uma consulta.
A doença que me punge e esteriliza a mocidade e o espírito,
Resulta de uma chaga que nunca cicatriza.
Muito embora comum a toda gente, a de que sofro, atroz hipocondria,
Tanto me torna pensativo e doente, que já não sei o que é paz nem alegria...
Sendo o mais sábio Clínico do mundo, sois também um filósofo notável, do Peito humano auscultador profundo, curareis este mal inexorável.
Que me destrói o organismo fibra-a-fibra
Que me enevoa o cérebro e o condensa.
Eu tenho um coração que já não vibra
Suporto uma cabeça que não pensa.
Este tédio mortal, tédio agoureiro,
Que me envenena, que me escurece os dias,
É como os beijos dado á dinheiro, numa noite de orgias.

Doutor: O amigo tem razão, padece realmente
Contudo a enfermidade, o morbus que o devora,
É um produto fatal do século de agora.
Uma emoção vibrante, um abalo violento, pode cura-lo
Creio. Apenas num momento. O tédio é uma sombria, uma
Fatal loucura. É a treva interior, a grande noite escura.
Onde se esquece tudo. A sorte, a vida amada.
 O nosso próprio ser e só se lembra o nada.
---diga-me. Alguma vez amou?
Nunca em seu peito estrugiu das paixões o temporal desfeito ?
Como as vagas de um mar que se agita e encapela, ao soturno rumor do vento.
E da procela?

Paciente: Nunca.

Doutor: Pois meu caro. Procure a agitação constante.
Um prazer esquisito, um gozo triunfante.
Já visitou a Grécia, o Oriente a terra santa ?
Os sítios onde tudo hoje evoca e decanta, as glorias uma idade imorredoura
E eterna, que amesquinha e deslumbra a geração moderna ?

Paciente: Em híbridos festins passei a mocidade. Percorri viajando, o mundo
E a humanidade, como Judas da lenda.
E entre as mulheres todas, cujos lábios beijei
Em bacanais e bodas,
Mulher nenhuma eu vi sobre a terra tamanha
Que para mim não fosse uma visão estranha.
Como parti voltei. Sem achar lenitivo para este mal doutor.
Que assim me trás cativo.

Doutor: Frequente o circo, amigo. A figura brejeira do famoso Arlequim,
Que a esta cidade inteira palmas e aclamações constantemente arranca.
Talvez lhe restitua a gargalhada franca.
 
Paciente: Vejo doutor, que o meu caso é perdido.
O truão de que falas, o palhaço querido
Que anda no Coliseu assim tão aclamado, tem um riso
De morte, um riso mascarado, que encobre a dor sem fim
Do tédio e do cansaço... sou eu este Palhaço.


Sobre o autor:

Heinric Heine nasceu numa família judia assimilada, em Düsseldorf, sob o nome de Harry. Seu pai era um comerciante que, durante a ocupação francesa, beneficiou-se directamente dos novos ideais de igualdade cívica para todos os cidadãos, em particular importante para os judeus, uma minoria discriminada nos territórios da actual Alemanha.

Licenciado em Direito em 1825, decidiu converter-se do judaísmo para o cristianismo luterano, assumindo então o nome de Christian Johann Heinrich e nomeando-se a si próprio pelo nome de Heinrich Heine. Decidiu-se pela conversão considerando as várias proibições e restrições aos judeus, então vigentes em muitos Estados Alemães.

Como poeta, Heine fez a sua estreia com "Gedichte" (Poemas) em 1821. A paixão não correspondida por suas primas Amalie e Therese inspiraram-no mais tarde a escrever alguma da sua lírica mais notável. Buch der Lieder ("Livro das canções", 1827) foi sua primeira grande coletânea de versos.

Heine trocou a Alemanha por Paris em 1831, onde sofreu influência dos socialistas utópicos, seguidores do conde Saint-Simon, cujo partido político intitula-se, em português, São Simonistas, que pregava um paraíso igualitário baseado na meritocracia.

A opção por Paris, a principio foi voluntária, pois Heine acreditava que encontraria na capital francesa maior liberdade de expressão e maior compreensão de suas ideias por parte da sociedade francesa, o que de fato aconteceu.

Foi um crítico mordaz da religião. A famosa expressão que qualifica a religião como "ópio do povo" - expressão posteriormente usada por Marx na Crítica da filosofia hegeliana do direito (1844) havia sido adiantada por Heine. Em sua obra Ludwig Börne (1840), Heine, com sua ironia peculiar, escreve:

Bendita seja uma religião, que derrama no amargo cálice da humanidade sofredora algumas doces e soporíferas gotas de ópio espiritual, algumas gotas de amor, fé e esperança.

Em relação a censura sofrida, Heine proferiu uma de suas mais conhecidas citações::

Aqueles que queimam livros, acabam cedo ou tarde por queimar homens (Almansor, 1821)

De fato, entre os livros queimados pelos nazistas, em 1933, na Opernplatz (Praça da Ópéra) de Berlim estavam as obras de Heine.

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