segunda-feira, 12 de novembro de 2012

O Velho Rei

Um conto de Olavo Bilac.

Houve, em tempos que já vão longe, um rei poderoso, senhor de muitos povos e muitas léguas de terras. Ainda que viajasse sem cessar por muitos e muitos anos a fio, não conseguiria ele correr todos os seus domínios. E todos os povos o temiam, porque era conhecido de todo mundo a fama das suas riquezas.
De mês, em mês, chegavam ao seu palácio os emissários dos súditos, trazendo-lhe, com as homenagens deles, os presente riquíssimos: marfim e pérolas, ouro e diamantes, sedas e rebanhos.
E os seus celeiros estavam tão abundantemente providos de grãos, que ele poderia, numa época de fome geral, abrindo-os a todos os seus vassalos, que não tinham conta, alimentá-los fartamente durante todo um ano.
Esse poder sem limtes e essa riqueza sem termo haviam  embriagado  a alma do  velho rei. Já se não supunha homem, mas Deus. Tanta gente via a seus pés, adorando-o, que o seu coração se habituara a desprezar a humanidade, imaginando que ela só fora feita para o servir e temer. Só  se lembrava dos súditos para os oprimir. Aumentava os impostos e alargava as prisões. E a sua mão direita, que tanta gente podia fazer feliz, distribuindo esmolas e bênçãos, somente servia para assinar sentenças de morte. Condenava à pena última cem homens sem ler ao menos os seus nomes. E, se os lia, esquecia-os dalí a um minuto, para só pensar na febre de festas e de loucuras, em que empregava as noites e os dias, e em que perdia a saúde e a alma.
E sucediam-se as festas. Do escurecer ao alvoorecer, seu palácio, imenso como  uma cidade, suntuoso como um templo, resplandescente de luzes como um céu estrelado, ecoava com o barulho das danças, da música e do tinir dos copos.
Um dia, no explendido terraço, em que costuma dormir à sesta, o velho rei tinha diante de si uma lista de acusados. Não sabia nem queria saber quem eram,  se eram inocentes ou criminosos, se tinham cometido  alguma falta, ou se eram apenas homens ricos, cuja fortuna os seus ministros cobiçava. E preparava-se para, assinar a lista, quando se deteve a olhar um momento o filho mais moço, que brincava  junto dele. Era um principezinho louro e branco, de olhos azuis e inocentes como os olhos de um anjo. Ajoelhado sobre o mosaico precioso, que ladrilhava o terraço, estava inclinado para um aquário, e divertia-se vendo dentro dele os peixes dourados que nadavam. O velho rei, com o sorriso que lhe iluminava as barbas, ficou mirando com amor a criança, tão bela e tão  casta, filha do seu sangue e da sua alma. E tinha, esquecida na mão a pena fatal, de cujo bico pendia a vida de tantos homens...
De repente, o principezinho teve uma exclamação aflita. O rei viu-o curvar-se mais sobre o aquário, e meter-se na água as mãozinhas ansiosas. E a criança veio para ele, segurando com a ponta dos dedos alguma cousa que não via, de tão pequena que era.
__ Olha, Pai! Salvei-a! Ia afogar-se... Salvei-a!
O velho rei curvou-se para ver o que o filho trazia na mão. Era uma mosca feia, negra, pequenina, miserável, nojenta. Tinha as asas molhadas e não podia voar. O principezinho  colocou-a na palma da mão microscópica, e  virou-a para o lado  do sol. Daí a pouco a mosca reanimou-se e voou. A criança batia palmas:
__ Não fiz bem, Pai? Não é um crime deixar morrer uma criatura qualquer por falta de piedade,  Pai? Disseram-me que há homens que se matam  uns aos outros... Pai? Como é que se pode ter a maldade de matar um  homem? __ E o principezinho fixava no velho  rei os seus olhos azuis e inocentes como os de um anjo.
Nessa tarde o velho  rei não assinou nehuma sentença de morte.

- Do livro Contos Pátrios (para as crianças) __ Francisco Alves & Comp.

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- Este conto eu o copiei do livro: Antologia Brasileira - Seleta em  Prosa e Verso de Escritores Nacionais -  1948
   de Eugênio Werneck -26a. edição. - Livraria Francisco Alves

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