domingo, 20 de novembro de 2011

Antologia Brasileira - A Palavra

Vejam a beleza da narrativa escrita por José de Alencar

Nota: Muitos termos e expressões estão na Língua Portuguesa da época; preservei para manter a originalidade do texto.

A PALAVRA ,  esse dom celeste que Deus deu ao homem e recusou ao animal, é a mais sublime expressão da natureza: ela revela o poder do Criador e reflete toda a grandeza de sua obra divina.
Incorpórea como o espírito que a anima, rápida como a eletricidade, brilhante como a luz, colorida como o prisma solar, comunica-se ao nosso pensamento, apodera-se dele instantaneamente, e os esclarece com os raios da inteligência que leva ao seu seio.

Mensageira indivisível da idéia, Iris celeste do nosso espírito, ela agita as suas asas douradas, murmura ao nosso ouvido docemente, brinca ligeira e travessa na imaginação, embala-nos em sonhos fagueiros ou nas suaves recordações do passado.
Reveste todas as formas, reproduz todas as variações e nuances do pensamento, percorre todas as notas dessa gama sublime do coração humano, desde o sorriso até a lágrima, desde o suspiro até o soluço, desde o gemido até o grito rouco e agonizante.

Às vezes é o buril do estatuário, que recorda as formas graciosas de uma criação poética ou de uma cópia fiel da natureza: aos retoques deste cinzel delicado a idéia se anima, toma um corpo e modela-se como o bronze ou como a cera.
Outras vezes é o pincel inspirado do pintor que faz surgir de repente ao nosso espírito, como de uma tela branca e intacta, um quadro magnífico, desenhado com essa correção de linhas e esse brilho de colorido que caracterizam os mestres.

Muitas vezes é a nota do hino, que ressoa docemente, que vibra no ar, e vai perder-se além no espaço, ou vem afagar-nos brandamente o ouvido, como o eco de uma música em distância...
A ciência tem nela um escalpelo com que faz a autópsia do erro; descarna-o dos sofismas que o ocultam e o mostra claramente àqueles que, iludidos por falsas aparências, julgam ver nele a verdade.

O sentimento faz dela a chave dourada que abre o coração às suas emoções do prazer, como o raio do sol, que desata o botão de uma rosa cheia de viço e fragrância.
A justiça deu-a a inocência como a sua arma de defesa, arma poderosa e irresistível, que tantas vezes tem suspendido o cutelo do algoz e quebrado as pesadas cadeias de ferro de uma masmorra.

Para o tributo é uma alavanca gigantesca, com que desloca as imensas moles do povo e atira-as de encontro às colunas do edifício social, que estremece, vacila e se abate ao peso dessas massas impelidas por um poder quase sobre-humano.
Eis o que é a palavra, meu amigo: simples e delicada flor do sentimento, nota palpitante do coração, ela pode elevar-se até o fastígio da grandeza humana, e impor leis ao mundo do alto desse trono, que tem por degrau o coração e por cúpula a inteligência.

Assim, pois, todo o homem, orador, escritor ou poeta, todo homem que usa da palavra, não como um meio de comunicação às suas idéias, mas como um instrumento de trabalho: todo aquele que fala ou escreve, não por uma necessidade da vida, mas sim para cumprir uma alta missão social; todo aquele que faz da linguagem, não um prazer, mas uma bela e nobre profissão deve estudar e conhecer a fundo a força e os recursos desse elemento de sua atividade.
A palavra tem uma arte e uma ciência: como ciência, ela exprime o pensamento com toda a sua fidelidade e singeleza; como arte, reveste a idéia de todos os relevos, de todas as graças, e de todas as formas necessárias para fascinar o espírito.

O mestre, o magistrado, o padre, o historiador, no exercício de seu respeitável sacerdócio da inteligência, da justiça, da religião e da humanidade, deverá fazer da palavra uma ciência; mas o poeta e o orador devem ser artistas, e estudar no vocabulário humano todos os seus segredos mais íntimos, como o músico que estuda as mais ligeiras vibrações das cordas de seus instrumentos, como o pintor que estuda todos os efeitos da luz nos claros-escuros.

SOBRE O AUTOR:

José Martiniano de Alencar, o mais fecundo talvez e, sem contestação, o mais brasileiro dos escritores nacionais, notabilizou-se principalmente como romancista, mas foi também dramaturgo e comediógrafo, orador parlamentar, jornalista político, crítico e jurisconsulto.
Pelo seu estilo primoroso,  original e inconfundível, pelo seu brasileirismo de assunto e de formas, pelo seu nativismo, que o levou a trabalhar pela formação do dialeto brasileiro, Alencar tem um lugar de superior destaque na história da literatura brasileira.

Como político, saiu deputado geral pelo Ceará em quatro legislaturas e chegou a ministro de Estado, ocupando a pasta da justiça no gabinete de 16 de julho de 1868.
Nasceu no Ceará em 01/05/1829 e, morreu no Rio de Janeiro  em 18/12 1877.

Bibliografia:

O Guarani (1857), romance brasileiro; Cinco minutos e a Viuvinha (1860), As minas de prata e Lucíola (1862), Diva (1864), Iracema (1865), O Gaúcho e a pata da gazela (1870), O tronco do ipê e Guerra dos mascates (1871), Sonhos d`ouro (1872), Alfarrábios ( O garatuja, o ermitão da Glória, A Alma de Lázaro) (1873), Ubirajara, Tu e Senhora (1875), O sertanejo (1876), todos romances, novelas e crônicas, além de numerosas peças de teatro, panfletos políticos,etc.

Fonte: 

WERNECK, EUGÊNIO, 1948 - ANTOLOGIA BRASILEIRA 
COLETÂNEA EM PROSA E VERSO DE ESCRITORES NACIONAIS
26a. Edição - 1948

Um comentário:

  1. Olá Valéria,

    Sem dúvida, é um belo relato; leva-nos a refletir, mais uma vez, sobre a importância da palavra, em todos os cenários de nossa vida.

    Parabéns.

    Um Grande Abraço.

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